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  • Foto do escritorPedro Viana

A Constituição Americana é realmente democrática?



  1. A Convenção Constitucional americana de 1787 firmou a construção de um modelo de governo único para seu momento histórico. Pautados na concepção de freios e contrapesos, os constituintes americanos criaram através do complexo processo de concessões fundamentais, um variado número de instituições políticas que possibilitaram o pleno desenvolvimento da democracia no novo mundo.

  2. Contudo, cumpre identificar que sua constituição apresenta pelo menos dois elementos antidemocráticos: o colégio eleitoral, e restrições ao direito de sufrágio. A partir de uma análise qualitativa e essencialmente bibliográfica, foi possível verificar que o direito de sufrágio foi progressivamente ampliado devido ao contexto de resgate de direitos civis. Contudo, verificou-se que a sistemática de eleição presidencial assentada no colégio eleitoral é elemento antidemocrático ainda a ser superado posto que permite a eleição de candidatos derrotados no voto popular e ainda institui flagrante diferença no “peso” do voto de eleitores de estados de grande e baixa população.


  1. Inobstante a finalidade inicial tenha sido plenamente justificável ante o perigo renitente de figuras presidenciais populistas nos regimes representativos, o colégio eleitoral foi completamente deturpado. Logo nos primeiros anos da constituição, tornou-se evidente sua inadequação estrutural.

  2. É que, sob a perspectiva de DAHL (2015, p.76), “até Hamilton parece haver-se equivocado quanto à sua mecânica em um aspecto: ele presumiu que o povo de cada estado escolheria os eleitores colegiados”. Contudo, em verdade, conforme se verifica da expressa previsão constitucional, os Autores conferiram às legislaturas estaduais o método de escolha dos delegados colegiados.

  3. Assim, vigora no sistema eleitoral americano um complexo sistema de escolha dos delegados, que comporta várias metodologias de eleição dos membros colegiados.

  4. Por exemplificativo, todos os estados com exceção da California, Maine e Nebraska, utilizam o sistema vencedor-leva-tudo, no qual são escolhidos como delegados os candidatos com maioria de votos no estado. Noutro modo, os estados de Maine e Nebraska, dos três assentos a que têm direito no colégio de eleitores, admitem uma dupla metodologia simultânea de eleição dos delegados. Para uma das vagas, referidos estados adotam a metodologia de voto distrital, enquanto que para os dois assentos restantes, adotam a metodologia vencedor-leva-tudo.

  5. Diante da breve apresentação da estrutura do colégio eleitoral, é possível identificar, pelo menos, três defeitos intrínsecos. O primeiro deles reside na própria política partidária americana. É que a política bipartidária (Democratas e Republicanos) transformou os eleitores colegiados em meros representantes do partido de identidade ideológica ao qual se vinculam. Isto significa dizer que o relevante papel de eleitor colegiado não necessariamente é ocupado por cidadãos efetivamente preocupados com a escolha do melhor presidente.

  6. Como de regra, e do contrário do desejado pelos Autores, estes delegados são, em verdade, aliados fiéis a um dos partidos políticos em embate, transformando assim o colégio eleitoral “em pouco mais que um modo de contar votos” (DAHL, 2015, 82).

  7. O segundo e mais evidente caráter antidemocrático do colégio de eleitores reside na questão posta entre votos populares e votos colegiados. É que o sistema americano, em que pese ser baseado na eleição indireta para Presidente e Vice-Presidente, como visto, operacionalizada pelo colégio eleitoral, admite ainda a contagem de votos populares.

  8. Neste aspecto, tem-se que em várias ocasiões, candidatos a Presidente ou Vice-Presidente podem receber a maioria absoluta de votos populares de todos os cinquenta e um estados, e, ainda assim, não se elegerem. Posto que o total de 538 (quinhentos e trinta e oito) votos do colégio eleitoral são distribuídos irregularmente entre todos os estados na medida da sua representação no congresso[1], essencialmente, os candidatos à presidência, disputam para atingir a combinação de estados suficientes para alcançar, pelo menos, metade mais um dos votos do colégio de eleitores.

  9. Isto é, a cada pleito, os candidatos simplesmente precisam alcançar, pelo menos, 270 (duzentos e setenta) votos do colégio eleitoral. Da forma como posta, a estrutura colegiada permitiu em várias ocasiões que candidatos derrotados no voto popular, tornassem-se presidentes legitimamente.

  10. O exemplo mais controverso desta falha democrática se apresentou nas eleições de 1876. A crise começou quando o democrata Samuel J. Tilden obteve 51% (cinquenta e um por cento) dos votos populares, e ainda assim, perdeu para o oponente Rutherford Hayes no colégio eleitoral.

  11. Esta tendência que pode parecer pontual, em verdade, “já aconteceu em pelo menos 19 (dezenove) das eleições presidenciais” (DAHL, 2015, p. 79). Isso revela que uma a cada três eleições presidenciais foi marcada pela entrega do posto mais elevado da república, a um candidato escolhido pela minoria dos eleitores votantes.

  12. Como exemplo recente desta distorção, destaca-se a eleição presidencial dos anos 2000.

  13. Nela, o candidato republicano George W. Bush – então governador do estado do Texas –, disputou os votos do colégio eleitoral com o democrata Al gore.

  14. Apesar de ter o candidato democrata recebido um total de 51.003,926 (cinquenta e um milhões três mil novecentos e vinte e seis) votos, cerca de 48,38% (quarenta e oito inteiros e trinta e oito centésimos por cento) dos votantes, contra 50.460,110 (cinquenta milhões quatrocentos e sessenta mil cento e dez) votos de George W. Bush, “Gore perdeu as eleições presidenciais no colégio de eleitores por uma diferença de apenas 5 (cinco) votos colegiados” (UNITED STATES OF AMERICA, 2000).[2]

  15. A derrota de Gore, na ocasião, se deu pelo fato de que o republicano Bush conseguiu reunir, em sua cartela eleitoral, dois estados chave, e ainda, boa parte dos estados de média expressão votante das regiões centro-sul-leste, centro-sul-oeste, e região montanhosa do oeste.

  16. Ao assegurar assim os estados do Texas (32 votos do colégio eleitoral), Florida (25 votos), Ohio (21 votos), e North Carolina (14 votos), George W. Bush obteve, de uma só vez, 92 (noventa e dois) votos dos estados-chave, distribuindo os demais 179 (cento e setenta e nove) votos por estados de menor porte eleitoral.

  17. Enquanto que, noutro lado, Al gore obteve nos estados de maior expressão votante, os votos da California (54 votos), New York (33 votos), Pennsylvania (23 votos), Illinois (22 votos), e Michigan (18 votos), totalizando assim, 150 (cento e cinquenta) votos dos estados-chave, distribuindo os demais 116 (cento e dezesseis) votos em pouco mais que 15 (quinze) estados.

  18. Por exemplificativo, outro controverso episódio do colégio eleitoral em eleger candidatos derrotados no voto popular aconteceu nas eleições de 2016.

  19. De efeito, afora os escândalos da interferência russa na última eleição americana – que, pelas investigações desenvolvidas até o presente momento, teria sido operacionalizada por meio da participação sistemática de oficiais do governo Putin mediante a criação de contas e perfis falsos em redes sociais destinados a insuflar discursos de ódio e notícias falsas (fake news) contra a candidata democrata oponente[3], as eleições de 2016 são o mais recente demonstrativo do caráter antidemocrático do colégio eleitoral.

  20. Como se verificou, a 58ª eleição presidencial foi marcada por mais uma virada do colégio eleitoral. No referido pleito, o republicano Donald J. Trump, até então nunca eleito a qualquer posto de governo, disputou os votos do colégio eleitoral com a democrata Hillary R. Clinton, 67ª Secretária de Estado do Estados Unidos.

  21. Muito aproximadamente do ocorrido no pleito de 2000, apesar de ter a candidata democrata recebido um total de 65.853,516 (sessenta e cinco milhões oitocentos e cinquenta e três mil quinhentos e dezesseis) votos, cerca de 48,20% (quarenta e oito inteiros e vinte centésimos por cento) dos votantes, contra os 62.984,825 (sessenta e dois milhões novecentos e oitenta e quatro mil oitocentos e vinte e cinco) votos de Donald Trump, “Clinton perdeu as eleições presidenciais no colégio de eleitores por uma diferença de 77 (setenta e sete) votos colegiados”. (UNITED STATES OF AMERICA, 2016a).

  22. Diante da expressividade de votos populares com que a ex-secretária de estado perdeu as eleições, um novo debate se acirrou acerca da manutenção ou não do colégio eleitoral sobretudo quando cotejado diante da impopularidade recorde[4] em pouco mais de um ano e meio de mandato, do hoje presidente Donald Trump[5].

  23. O desenho institucional do colégio eleitoral da forma como analisado, levado às consequências extremas, revela a possibilidade plausível de ter-se eleito presidente um(a) candidato(a) que não tenha recebido, sequer, um único voto em 39 (trinta e nove) estados, mas que, com a combinação precisa de estados-chaves, consiga obter a maioria simples dos votos colegiados necessários para sua consagração.

  24. Por exemplo, se realizada a combinação de votos “ideal”, o(a) candidato(a) pode se tornar presidente apenas obtendo os votos colegiados dos estados da California, New York, Texas, Florida, Pennsylvania, Illinois, Ohio, Michigan, New Jersey, North Carolina, Georgia e Virginia.

  25. Isto é, com o arranjo cirúrgico de votos de estados de tradição democrata e republicana, a população de apenas 11 (onze) estados, poderia definir o destino de toda federação.

[1] O Censo demográfico é realizado a cada 10 anos nos EUA. A partir dos resultados do censo, os estados podem ganhar ou perder representatividade de votos no colégio eleitoral, eis que sua participação, é diretamente condicionada ao número de habitantes.

O último censo democrático, realizado em 2010, estabeleceu a seguinte divisão de votos do colégio eleitoral por estado da federação, incluído aí o Distrito de Colúmbia: Washington 12 votos, Oregon 7 votos, California 55 votos, Nevada 6 votos, Idaho 4 votos, Arizona 11 votos, Utah 6 votos, Montanna 3 votos, Wyoming 3 votos, Colorado 9 votos, New Mexico 5 votos, Texas 38 votos, Oklahoma 7 votos, Kansas 6 votos, Nebraska 5 votos, South Dakota 3 votos, North Dakota 3 votos, Minnesota 10 votos, Iowa 6 votos, Missouri 10 votos, Arkansas 6 votos, Louisiana 8 votos, Wisconsin 10 votos, Illinois 20 votos, Indiana 11 votos, Ohio 18 votos, Michigan 16 votos, Mississipi 6 votos, Alabama 9 votos, Georgia 16 votos, Florida 19 votos, South Carolina 9 votos, North Carolina 15 votos, Tennessee 11 votos, Kentuckty 8 votos, Virginia 13 votos, West Virginia 5 votos, Maryland 10 votos, Washington DC 3 votos, Delaware 3 votos, Pennsylvania 20 votos, New Jersey 14 votos, Rhode Island 4 votos, New York 29 votos, Connecticut 7 votos, Massachusetts 12 votos, Vermont 3 votos, New Hampshire 4 votos, Maine 4 votos, Alaska 3 votos, Hawaii 4 votos.


[2] Bush 271 votos colegiados; Al gore 266 votos colegiados. Dados do Federal Election Comission (USA) 2000 OFFICIAL PRESIDENTIAL GENERAL ELECTION RESULTS.


[3] Veja: https://www.washingtonpost.com/world/national-security/top-us-cyber-officials-russia-poses-a-major-threat-to-the-countrys-infrastructure-and-networks/2017/01/05/36a60b42-d34c-11e6-9cb0-54ab630851e8_story.html?noredirect=on&utm_term=.d1455ff0b542


[4] De acordo com Gallup, a taxa de aprovação do governo Trump, durante o primeiro ano do mandato, oscilou entre 35% e 45%, a menor desde os sete últimos presidentes. In: http://time.com/5103776/donald-trump-approval-rating-graph/.


[5] Em deferência a mais contemporânea pesquisa de popularidade conduzida pela Gallup, cumpre observar que o menor índice de aprovação do presidente Donald J. Trump atingiu a marca de 35% no período de 11-17 de dezembro de 2017. Contudo, a Gallup informa que, mais recentemente, a aprovação do presidente Donald J. Trump atingiu a marca de 41% no período de 30 de julho a 5 de agosto de 2018. O índice revela que a aprovação do atual presidente, para este período de mandato (7º trimestre) é historicamente baixa se comparada ao mesmo tempo de mandato dos últimos presidentes, e.g. Obama (44%, Agosto de 2010), George W.Bush (67% Agosto de 2002), Clinton (41% Agosto de 1994), George H. W. Bush (75% Agosto de 1990). Disponível em: https://news.gallup.com/poll/203198presidential-approval-ratings-donald-trump.aspx. Acesso em: 09/08/2018.



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